Para participar com fruto da Santa Missa

Para viver bem a Semana Santa, é importante descobrir como receber os frutos do sacrifício de Cristo no Calvário. E já que, na realidade, o sacrifício da Missa é substancialmente o mesmo que se deu na Cruz, essa questão se resume a como participarmos bem da Santa Missa.

Até agora, vimos que o sacerdócio de Cristo começou com Sua encarnação. O próprio ato de fazer-se homem constituiu Jesus sacerdote porque, pela união hipostática, Ele tornou-se “pontífice”, intermediário entre as duas naturezas: a humana e a divina. E, desde que veio ao mundo, Jesus começou a sua oblação interior, oferecendo a Deus adoração, ação de graças, súplica e reparação perfeitas. Já na carpintaria de Nazaré Ele se entregava ao Pai com amor e generosidade infinitas. Porém, tecnicamente, aquilo ainda não era sacrifício, já que este exige uma vítima externa, passiva e capaz de expressar exteriormente a oblação interna e ativa que se passa no coração do sacerdote.

No Antigo Testamento, matavam-se animais com esta finalidade: que o culto externo indicasse uma entrega interior. No entanto, essa correspondência não existia mais; como os profetas já advertiam, o povo de Israel honrava a Deus não mais com o coração e de verdade, mas apenas com os lábios. Vem, então, ao mundo o coração amoroso de Cristo profetizado pelos antigos, a fim de oferecer não mais animais, mas a Si mesmo. Aproveitando a ocasião do crime terrível que os algozes perpetraram contra Ele, Jesus dá-Se em sacrifício. Diante dos carrascos que o matam, Ele “nada faz”: sofre o crime passivamente, oferecendo-se ativamente pela redenção do mundo. Deus que é, Ele poderia muito bem impedir que tudo aquilo acontecesse com Ele. Mas, por amor, Ele doa-Se. Na Cruz, acontece o sacrifício que supera todos os sacrifícios da Velha Lei, pois, enquanto as vítimas antigas eram apenas sinais prefigurativos do que deveria vir, Cristo é a vítima e o próprio sacerdote que faz a oblação.

Tudo isso já teria sido grandioso, mas Deus quer que também nós participemos disso. Quando São Paulo afirma que completa em sua carne aquilo que falta aos sofrimentos de Cristo [1], não está querendo dizer que o perfeito sacrifício de Cristo seja, de algum modo, insuficiente. Quer dizer, ao invés, que, após a sua doação no Calvário, é necessário que recebamos os frutos de Sua redenção.

Isso é feito através da instituição dos sacramentos. A economia sacramental é o modo que Deus encontrou para distribuir os frutos da redenção em nossa vida. Por isso, todos os sacramentos estão ligados de alguma forma à Cruz de Cristo. O Batismo e a Eucaristia, por exemplo, estão prefigurados no sangue e na água que jorraram do lado aberto de Jesus [2].

Ao instituir a Santa Missa, Deus quis que ela fosse substancialmente a mesma coisa que foi o Seu sacrifício no madeiro da Cruz [3], sendo diverso, porém, o modo como são oferecidos. É o que afirma o Concílio de Trento: “Uma e mesma é a vítima: e aquele que agora oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que, outrora, se ofereceu na Cruz, divergindo apenas o modo de oferecer” [4]. E é o que explica, com clareza, o Papa Pio XII, na encíclica Mediator Dei:

“Na cruz, com efeito, ele se ofereceu todo a Deus com os seus sofrimentos, e a imolação da vítima foi realizada por meio de morte cruenta livremente sofrida; no altar, ao invés, por causa do estado glorioso de sua natureza humana, ‘a morte não tem mais domínio sobre ele’ (Rm 6, 9) e, por conseguinte, não é possível a efusão do sangue; mas a divina sabedoria encontrou o modo admirável de tornar manifesto o sacrifício de nosso Redentor com sinais exteriores que são símbolos de morte. Já que, por meio da transubstanciação do pão no corpo e do vinho no sangue de Cristo, têm-se realmente presentes o seu corpo e o seu sangue; as espécies eucarísticas, sob as quais está presente, simbolizam a cruenta separação do corpo e do sangue. Assim o memorial da sua morte real sobre o Calvário repete-se sempre no sacrifício do altar, porque, por meio de símbolos distintos, se significa e demonstra que Jesus Cristo se encontra em estado de vítima” [5].

Então, o grande segredo para participar com fruto da Santa Missa está em entregar-se junto com Cristo que se entrega no altar. Infelizmente, nos métodos pastorais modernos, as pessoas têm tentado ser cristãs sem oblação. No entanto, é preciso oferecer-se, de fato, como vítima. Caso contrário, não se participa da Missa com o coração, mas apenas “de corpo presente”.

Santo Alberto Magno, professor de Santo Tomás de Aquino, escreve que, “quando o padre oferece o sacrifício da Cruz na Missa, a intenção é de se oferecer atualmente ao Pai através d’Aquele que se ofereceu a Si mesmo na Cruz”. É essa a razão de ser da doxologia, na qual o padre, movido pela caridade, se oferece ao Pai por Cristo - isto é, tendo-o como veículo -, com Cristo e em Cristo - ou seja, em profunda comunhão com Ele.

Para que a comunhão eucarística aumente em nós a caridade e torne o nosso coração mais parecido ao coração eucarístico de Jesus, é preciso que sejamos, junto com Ele, sacerdote e vítima. Na perspectiva do sacerdócio comum dos fiéis, todo cristão batizado é chamado a configurar-se a Cristo, ofertando a sua oblação na assistência atenta e piedosa do santo Sacrifício. O ministro ordenado, além disso, oferece a sua oblação no sacramento, consagrando o pão e o vinho no Corpo e Sangue do Senhor.

O que não é possível é ser santo sem que se seja, ao mesmo tempo, sacerdote e vítima. Olhando para a vida dos padres que se santificaram, não se encontra um sequer que não se tenha vitimado por amor a Jesus. É incompreensível, portanto, que os sacerdotes de hoje queiram ser santos sem passar pela dura senda da oblação e do oferecimento de si mesmo. Importa repetir, com São Nicolau de Flüe, em uma oração contida no Catecismo da Igreja Católica:

Mein Herr und mein Gott, nimm alles mir, was mich hindert zu dir. Mein Herr und mein Gott, gib alles mir, was mich führet zu dir. Mein Herr und mein Gott, nimm mich mir und gib mich ganz zu eigen dir. – Meu Senhor e meu Deus, retira tudo de mim o que me separa de ti. Meu Senhor e meu Deus, dá tudo a mim o que me conduz para Ti. Meu Senhor e meu Deus, retira-me de mim e dá-me todo inteiro a Ti” [6].

Para participar da entrega que acontece na Missa, é preciso estar como Maria aos pés da Cruz. Antes de cada celebração eucarística, entreguemo-nos aos braços de Maria, a fim de que ela nos ajude na entrega de nós mesmos.

Referências

  1. Cf. Cl 1, 24
  2. Cf. Jo 19, 34
  3. A palavra “substância” faz referência a algo que não está sujeito às leis do espaço e do tempo e, portanto, não pode ser “imaginado” pela mente humana, capaz que é de perceber apenas as realidades acidentais.
  4. Concílio de Trento, Sessão XXII, Doutrina sobre o santíssimo Sacrifício da Missa, n. 940. Cf. Denzinger-Hünermann, 1743
  5. Carta encíclica Mediator Dei, 20 de novembro de 1947, n. 63
  6. Catecismo da Igreja Católica, 226